Por ROBERTO SCHULTZ
Tenho dito e escrito nesses anos todos trabalhando com licitações, e muito especialmente nesses quase 20 anos de licitações de Tecnologia da Informação e da Comunicação, que um dos grandes problemas - não resolvidos - desse mercado de TIC é a variação cambial.
Especialmente quando se tem preços registrados numa ata de registro de preços.
A Administração é muito renitente em conceder um reequilíbrio econômico-financeiro, por conta da variação, às vezes "dramática", do dólar (e do yen, e do euro), e que impede qualquer empresa (mesmo os grandes players) de entregarem os equipamentos a que se comprometeram. A discussão é antiga: a variação seria previsível (quando a meu ver não é, e tenho artigos e estudos sobre isso!); quem não quiser perder com o câmbio que faça um hedge cambial (que é caro!), etc, etc...
Uma das alternativas para resolver o problema, é a de realizar – por repactuação com cada órgão da Administração - o fornecimento de equipamentos similares àqueles já registrados; e de outras marcas. Se você é parceiro (ou revendedor) exclusivo de um fabricante, essa conversa não é com você. Certamente você estará impedido contratualmente de fornecer outra marca.
Mas para quem é revenda "multimarcas" (para usar um jargão dos revendedores de automóveis), seria possível aceitar adesões a atas de registro de preços em vigor, e também realizar as entregas de produtos já registrados nas mesmas atas, porém sob outras marcas.
O contrato administrativo deve ser cumprido conforme o pactuado. Todavia, existem situações que o descumprimento contratual pode ocorrer, estranho à vontade de ambas as partes, as quais são imputadas a terceiros. Esses “terceiros”, no caso presente, acabam sendo a “variação cambial” (ou, em última análise, as “autoridades monetárias”) e, por via indireta, são também os fabricantes que não conseguem possibilitar flexibilização de preços às revendas, por decorrência dessa mesma variação cambial.
Em relação à substituição da marca originalmente pactuada, desde que o interesse público envolvido na contratação não seja desguarnecido, a Administração e o particular devem chegar a um denominador comum que preserve o contrato vigente.
Além da variação cambial impossibilitando a entrega, outro exemplo clássico dessa situação (substituição do produto) é quando o produto original registrado na ata sai de linha. Se no mercado correlato existir o mesmo objeto de outra marca, mas que seja equivalente, atendendo todas as características fixadas no ato convocatório, temos que a substituição seria lícita, podendo ou não ser aceita pela Administração.
Na verdade a situação não está bem regulamentada (ou explícita) pela Legislação, mas está pelo mercado e, também, vai depender do interesse público envolvido na contratação. Todavia, mesmo num caso como esse, deverá restar comprovado, por meio de documentos e avais técnicos, que o produto efetivamente foi retirado de linha.
Não se trata exatamente de uma questão de “substituir-se a marca”, mas de “substituir-se a tecnologia” (quando se estiver tratando de tecnologia, e no caso presente estamos) por outra equivalente e que atenda aos mesmos fins, trazendo consigo as mesmas vantagens e/ou até outras, desde que iguais ou superiores. Se forem similares, não há impedimento, e desde que o respectivo órgão aceite.
Nesse sentido se manifesta o autor JORGE ULISSES JACOBY FERNANDES (grifamos):
“Tenha-se em vista a situação da retirada de um produto do mercado pelo fabricante, inviabilizando o cumprimento da obrigação de um fornecedor, nos termos ajustados. Pode a Administração Pública aceitar produto de qualidade equivalente ou superior pelo mesmo preço.” (cf. in Sistema de registro de preços e Pregão, Belo Horizonte: Editora Fórum, p.400/401.)
Em outras palavras leciona o professor DIÓGENES GASPARINI (idem):
“O conteúdo do contrato nesse particular não precisa ser idêntico ao da proposta mais vantajosa; basta que encerre mais vantagens para a contratante. Nenhuma nulidade causará ao ajuste se os termos e condições da proposta vencedora forem discutidos e a contratante obtiver mais vantagens (menor preço, menor prazo de entrega, menor juro moratório) que as originalmente oferecidas pelo proponente e as consignar no contrato. Esse afastamento do contrato em relação à proposta vencedora cremos ser sempre possível e constitucional. O que não se permite é o distanciamento entre o contrato e a proposta com prejuízos para a contratante, conforme ensina Hely Lopes Meirelles. Essa possibilidade, no entanto, não permite que o contratado entregue e a Administração Pública aceite outro bem. Sendo o mesmo bem, admite-se modelo de qualidade superior” (cf. in Direito Administrativo, 9ª ed., Saraiva, São Paulo, 2004, p. 530).
O Tribunal de Contas tem, nesse sentido, entendimento clássico (do ano de 2010, mas até hoje utilizado como referência), e também na esfera do fornecimento de equipamentos de TIC, no qual é negado o direito de substituição da marca no caso específico daquele Acórdão, mas isso ocorre naquele caso porque não havia, no processo, uma análise técnica que efetivamente assegurasse, à Administração, o atendimento das especificações do edital e nem que a performance do novo equipamento proposto fosse idêntica ou melhor ao da marca originalmente ofertada.
Entendimento bem similar, e que conduz ao mesmo caminho por analogia, é aquele em que a Administração faz referência a uma determinada marca, no edital, mas concede em aceitar outra, desde que haja a devida comprovação técnica de que a nova marca/produto atendam aos mesmos fins e com o mesmo desempenho, o que também já discutimos - e com êxito - em algumas esferas da Administração.
Desse modo, como se vê, não há qualquer PROIBIÇÃO para a substituição de marcas em relação aos equipamentos registrados nas atas de registro de preços, desde que as justificativas apresentadas e comprovações encaminhadas à Administração demonstrem uma “equivalência operacional” entre o modelo originalmente proposto e aquele pelo qual se pretende substituir o primeiro. Além, é claro, da expressa aceitação da repactuação, pelo próprio órgão gerenciador.
Já estudamos o assunto e temos jurisprudência do TCU, dos Tribunais Superiores (e outros), além de doutrina abalizada para amparar um pedido nesse sentido.
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