Por ROBERTO SCHULTZ.
E quando há um registro de preços (licitação já realizada e ata assinada) para upgrade de equipamentos e a prática demonstra que é mais vantajoso SUBSTITUIR tudo?
Na área de Tecnologia da Informação e da Comunicação (TIC), a evolução dos equipamentos e das suas configurações se dá muito rapidamente, com os fabricantes (a maioria de renome internacional e sempre à frente no mercado) lançando a cada dia opções e modelos que permitem usufruir melhor das facilidades de toda essa técnica. Desse modo, quando um órgão da Administração abre uma licitação na qual pretenda o upgrade (atualização) do sistema já existente e instalado, pode-se acabar constatando que seja melhor SUBSTITUIR o “parque” (que é como se chama, no jargão de TIC, o conjunto de máquinas já instaladas) do que simplesmente ATUALIZÁ-LO.
Aí entra em campo o velho problema da rigidez de mentalidade do gestor público médio. Não são todos que pensam assim, é claro. Mas o gestor médio; movido por um certo pavor ao Tribunal de Contas ou a outros Órgãos Fiscalizadores, simplesmente NÃO CONSEGUE tomar uma decisão a respeito. Às vezes, isso também se dá pelo apego excessivo à Legislação (e os atos da Administração são vinculados a ela, não desconhecemos). Ocorre que, com essa soma de fatores, os caras que trabalham lá simplesmente NÃO CONSEGUEM enxergar um outro caminho.
E vai ser longa, esse caminhada, até que se enxergue que gerir a Administração Pública requer o mesmo cuidado que gerir uma empresa privada. E que também a Empresa Pública tenha que funcionar com eficiência e atualização. Enquanto os gestores apenas “cumprirem o seu dever”, isso não vai funcionar.
Geralmente, a parte da mente e da iniciativa do gestor público preocupado com a EFICIÊNCIA (e existe um Princípio da Eficiência, é só pesquisar) e com os seus resultados efetivos e práticos é completamente sufocada pela outra parte da mente do mesmo gestor que é cegamente obediente à Lei e aos Órgãos Fiscalizadores. Ainda mais depois das mirabolantes operações para caçar corruptos e malfeitores que andam por aí há alguns anos. Ninguém mais quer tomar iniciativas com medo de ser preso ou processado por isso, mais tarde. Vivemos uma espécie de “Gestão do Medo”, movida pela caça às bruxas. “Eu não faço nada errado”, dirão alguns. “Mas pelo menos faça ALGUMA COISA” eu responderia para esses.
Não estou pregando a desobediência à Lei.
Estou pregando a obediência ao negócio FUNCIONAR de algum jeito eficaz e vantajoso, ter resultados práticos, além da economia e da vantagem técnica.
Num caso assim, de substituir todo o sistema instalado ao invés de fazer um upgrade no equipamento antigo, claro, vamos ter de passar por uma substancial e bem embasada justificativa técnica. Especialmente quando através dela se perceber que há a possibilidade dessa substituição integral do subsistema por um modelo atualizado e, por consequência, tecnologicamente mais avançado e integralmente compatível com aquele formato de upgrade (solicitado no edital da licitação e, depois, firmado na ata) de um sistema já existente.
Pode procurar por aí, quase ninguém aborda essa questão.
Nesse caso, é preciso avaliar se a alteração proposta venha – ou não - no sentido de fornecer todos os componentes de hardware e software que foram originalmente previstos na oferta do upgrade licitado no edital, e aí não com a entrega não de um mero upgrade mas; em substituição àquele, de um equipamento completo.
Também irão contar, para isso, negociações feitas com o fabricante e o fornecedor no sentido de MANTER OS PREÇOS ORIGINAIS ofertados, pois a entrega de novos e integrais equipamentos mais atualizados implicaria, necessariamente, num pedido de reequilíbrio dos preços ao órgão adquirente.
Conseguir um fornecimento de todo o sistema novo pelo preço de um upgrade equivale à Administração manter o MENOR PREÇO (decorrente daquele alcançado na licitação, que não se modificará), com a MELHOR TÉCNICA (mediante a entrega de equipamento superior e/ou tecnologicamente mais atualizado).
Isso é jurídica e legalmente possível. O jurista MARÇAL JUSTEN FILHO esclarece que (grifamos e sublinhamos):
“Obviamente, a oferta de vantagens ou benefícios não previstos ou superiores aos determinados no ato convocatório não prejudica o licitante. Se o benefício não for de ordem a alterar o gênero do produto ou do serviço, nenhum efeito dele se extrairá. (...)." (in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 14º Ed, São Paulo: Dialética, 2010.)
Veja-se que, aqui, não se está defendendo a oferta à Administração de “outra espécie de bem ou serviço” (o que seria vedado), mas exatamente a MESMA TÉCNICA (o que um bom embasamento técnico, e por escrito, deva dar) ou, mais do que isso, uma TÉCNICA SUPERIOR e pelos mesmos preços.
O Superior Tribunal de Justiça também já apreciou a questão (grifamos e sublinhamos):
"ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCORRÊNCIA DO TIPO MENOR PREÇO. ATENDIMENTO ÀS REGRAS PREVISTAS NO EDITAL. PRODUTO COM QUALIDADE SUPERIOR À MÍNIMA EXIGIDA. 1. Tratando-se de concorrência do tipo menor preço, não fere os princípios da isonomia e da vinculação ao edital a oferta de produto que possua qualidade superior à mínima exigida, desde que o gênero do bem licitado permaneça inalterado e seja atendido o requisito do menor preço. 2. Recurso ordinário não-provido" (STJ MS 15817 RS 2003/0001511-4, 2ª T., rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ de 03.10.2005 p. 156)
Nesse sentido, também, o Tribunal de Contas da União decidiu (também grifamos, por importância):
"É admissível a flexibilização de critério de julgamento da proposta, na hipótese em que o produto ofertado apresentar qualidade superior à especificada no edital, não tiver havido prejuízo para a competitividade do obtido, revelar-se vantajoso para a administração. Representação formulada por empresa noticiou supostas irregularidades no Pregão Eletrônico 21/2011, conduzido pelo Centro de Obtenção da Marinha no Rio de Janeiro – COMRJ, cujo objeto é o registro de preços para fornecimento de macacão operativo de combate para a recomposição do estoque do Depósito de Fardamento da Marinha no Rio de Janeiro. A unidade técnica propôs a anulação do certame fundamentalmente em razão de a proposta vencedora ter cotado uniformes com gramatura superior à da faixa de variação especificada no edital (edital: 175 a 190 g/m2; tecido ofertado na proposta vencedora: 203 g/m2), o que deveria ter ensejado sua desclassificação. O relator, contudo, observou que o tecido ofertado “é mais ‘grosso’ ou mais resistente que o previsto no edital” e que o COMRJ havia reconhecido que o produto ofertado é de qualidade superior à prevista no edital. A esse respeito, anotou que a Marinha do Brasil está habilitada a “emitir opinião técnica sobre a qualidade do tecido”. Levou em conta, ainda, a manifestação do Departamento Técnico da Diretoria de Abastecimento da Marinha, no sentido de que o produto atenderia “à finalidade a qual se destina, tanto no que se refere ao desempenho, quanto à durabilidade”. Noticiou ainda que a norma técnica que trata desse quesito foi posteriormente alterada para admitir a gramatura 203 g/m2 para os tecidos desses uniformes. Concluiu, então, não ter havido afronta ao interesse público nem aos princípios licitatórios, visto que o procedimento adotado pela administração ensejará a aquisição de produto de qualidade superior ao desejado pela administração contratante, por preço significativamente inferior ao contido na proposta da segunda classificada. Ressaltou também a satisfatória competitividade do certame, do qual participaram 17 empresas. E arrematou: “considero improvável que a repetição do certame com a ínfima modificação do edital (…) possa trazer mais concorrentes e gerar um resultado mais vantajoso …”. O Tribunal, então, ao acolher proposta do relator, decidiu julgar parcialmente procedente a representação, “em face da verificação de apenas de falhas formais na condução do Pregão Eletrônico 21/2011, que não justificam a sua anulação”. (Acórdão 394/2013-Plenário, TC 044.822/2012-0, relator Ministro Raimundo Carreiro, 6.3.2013).
Então, nesse caso - que se analisa em tese mas que pode ser justificado num caso concreto - se tem em mente que a substituição será mais VANTAJOSA para a Administração, posto tratar-se do upgrade não por expansão dos equipamentos hoje existentes, mas pela completa substituição por um equipamento tecnologicamente superior e fornecido pelos mesmos preços dos equipamentos licitados, que se tratavam da mera expansão de um sistema já existente e tendendo à obsolescência.
Embora se tratando de uma licitação na modalidade Pregão, que dispõe de Lei própria, aplica-se subsidiariamente a ela, como sabemos, a Lei das Licitações (Lei 8.666/93). Em relação a esta, dispõe o seu Artigo 65:
"Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
(...) II - por acordo das partes:
(...) b) quando necessária a modificação do regime de execução da obra ou serviço, bem como do modo de fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários;"
Não se trata, neste caso, propriamente de “inaplicabilidade dos termos contratuais originários”, mas do oferecimento de uma condição técnica superior, favorecendo à Administração e evitando a obsolescência do subsistema que lá esteja instalado, já que aquela expansão que foi cotada tende a ser superada por aquele subsistema completo que esteja sendo ofertado, mais moderno e dispondo de recursos mais avançados.
No entanto, nesses casos, e para que o respectivo fornecimento tenha prosseguimento dos seus trâmites junto ao fornecedor e/ou ao fabricante, é necessário – e imperioso – que a Administração manifeste-se FORMALMENTE pela repactuação proposta.
Assim, ficam todos resguardados técnica e juridicamente e com o interesse público atendido de uma forma mais prática. Lucra a Administração.
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