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CLÁUSULA ARBITRAL EM CONTRATOS ADMINISTRATIVOS: NEM TODO MUNDO PRESTA ATENÇÃO A ELA.

Foto do escritor: Roberto SchultzRoberto Schultz

Por ROBERTO SCHULTZ.


Cabe abrir o olho para um tipo de CLÁUSULA CONTRATUAL que usualmente é inserida em contratos (administrativos e privados) e na qual ninguém presta a menor atenção.


É a chamada CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA, relativa à opção das partes pelo Juízo Arbitral em caso de eventuais litígios em torno do contrato. Pois essa cláusula despercebida tem sido invocada pelo Poder Judiciário para dizer “vocês escolheram o Juízo Arbitral, então o assunto agora não é mais conosco”.


Tudo bem, se de fato você deseja que eventuais pendengas entre você e o seu contratante sejam levados a um juiz arbitral e não ao juiz togado, no Judiciário.


Esse último anda mesmo cheio de trabalho e, pior, com certa “mania de estatísticas”, o que o tem obrigado a “despachar por metro quadrado”, ou seja, quanto mais processos ele tirar da sua mesa, melhor politicamente para ele perante o Tribunal e o Conselho Nacional de Justiça.


Infelizmente, e a prática advocatícia tem confirmado, esses processos têm andado tão RÁPIDO quanto MAL. São mal julgados, com decisões que beiram ao monstro de Frankenstein, com cabeça de um; pernas de um segundo e braços de um terceiro, aonde ninguém se entende. Há juízes (aqui no Rio Grande do Sul, tido e havido como um dos melhores Judiciários do País...) julgando coisas que nada têm a ver com o que as partes estão pedindo.


Adivinhe de quem é o prejuízo? Acertou para quem disse que é das partes e também do advogado, que terá a maior dificuldade em explicar ao seu cliente a razão pela qual ele requereu parafusos de prata em juízo e ganhou uns pregos enferrujados.


Voltando à cláusula compromissória pelo juízo arbitral, se você realmente DESEJOU o julgamento por um tribunal arbitral, tudo bem. A intenção é válida porque, como eu disse antes, o Judiciário anda pisando (e feio) na bola.


Porém, se você não desejou essa solução, ela acaba lhe sendo empurrada goela abaixo “por adesão” e você sequer presta atenção a ela: só vai notar a sua presença quando for discutir a questão no fórum e o juiz disser: “não é comigo”. E ele pode fazer isso, estando respaldado pela Legislação e pelas decisões dos Tribunais Superiores, em Brasília.


Ocorre, porém, que justamente por causa do atual atabalhoamento do Judiciário, alguns juízes estão deixando o processo “correr” sem prestar atenção à cláusula compromissória e não invocam essa competência do juízo arbitral já no inicio do processo. Então quando o processo já está lá no meio (depois de ANOS tramitando, claro) ou já no final, geralmente o Ministério Público levanta a hipótese (tardia, estapafúrdia) de que a competência para apreciar a causa é do juízo arbitral. E o juiz extingue o processo sem o julgamento do mérito. O que causa um enorme transtorno e também a frustração na expectativa das partes, que aguardam ansiosamente por um desfecho.


É evidente que nós conhecemos a possibilidade legal de que o juiz possa determinar a EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM O JULGAMENTO DO MÉRITO a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição.

É princípio BÁSICO do Direito.


Como também NÃO DESCONHECEMOS que a negativa da prestação jurisdicional, com a consequente extinção do processo sem julgamento de mérito, pode se dar nas seguintes fases do procedimento:


1) logo após a propositura da ação, através do indeferimento da petição inicial (art. 267, I – CPC).


2) na fase destinada ao saneamento do processo, ou seja, na sentença proferida antecipadamente, "conforme o estado do processo" (art. 329, cc art. 267 – CPC).


3) na sentença proferida ao final do procedimento (art. 456 – CPC).


4) em qualquer fase do processo, quando ocorrer abandono da causa ou outros fatos impeditivos do prosseguimento da relação processual, como o compromisso arbitral, a desistência da ação etc.

Então sabemos perfeitamente que, segundo o texto do mesmo art. 267 antes mencionado, um dos casos que provocam a extinção do processo sem o julgamento de mérito é a CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM (por força do Inciso VII daquele art. 267).


A cláusula compromissória e o compromisso arbitral são espécies do que a Lei nº 9.307 denomina "convenção de arbitragem", a qual aquele artigo do Código de Processo Civil atribui o efeito de extinguir o processo sem o julgamento do mérito.


Também é certo que na sistemática primitiva do Código, a cláusula compromissória não obrigava, nem prejudicava, o direito de recorrer à jurisdição, porque se entendia que ninguém poderia ser previamente impedido de recorrer ao Poder Judiciário.


Com o novo regime de arbitragem, instituído pela Lei nº 9.307, basta existir entre as partes a cláusula compromissória, isto é, a promessa de submeter-se ao juízo arbitral, para ficar a causa afastada do âmbito do Judiciário.


Esta cláusula funciona, portanto, como o impedimento ao exercício do direito de ação, tomando a parte carecedora da ação por ausência da condição de possibilidade jurídica do respectivo exercício.


Porém, entendemos nós, a cláusula compromissória não pode ser tomada como ABSOLUTA se AS PRÓPRIAS PARTES E O JUÍZO PERMITIRAM O DESENVOLVIMENTO REGULAR DO PROCESSO JUDICIAL, ainda que baseado em Contrato (de adesão, como se verá) no qual estava inserida tal cláusula.


A doutrina é CLARA nesse sentido: se a convenção de arbitragem é ANTERIOR ao processo, ela IMPEDE A SUA ABERTURA; se é superveniente, provoca sua imediata extinção, impedindo que o órgão judicial lhe aprecie o mérito.


Ocorre que alguns juízes estão tentando extinguir processos cuja convenção é INEQUIVOCAMENTE ANTERIOR ao mesmo PROCESSO. E quando o mesmo juiz que o extingue não apenas acolheu a pretensão das DUAS PARTES desde o inicio, como mandou prosseguir o Processo, em alguns casos determinando a realização de provas (inclusive periciais) que são efetivamente realizadas.


Ou seja, o Juiz permitiu que o processo fosse REGULARMENTE INSTRUÍDO, com contestação, réplica, quesitos pelas duas partes e perícia.


Do próprio termo convenção arbitral se pressupõe que AS PARTES (AS DUAS PARTES) tenham a POSSIBILIDADE de ESCOLHER E MANIFESTADO SUA VONTADE NESSE SENTIDO (daí ser uma convenção).


Se as DUAS partes RENUNCIARAM a essa convenção e deixaram o processo JUDICIAL seguir o seu curso normal, elas deixaram claro (ainda que não tenham expressado essa vontade) que aceitaram a via JUDICIAL para dirimir a questão.


No mínimo porque uma delas pode ter deixado de recorrer judicialmente desse prosseguimento processual, quando a Lei Processual lhe oferece Recursos Judiciais para isso.


Porém, consentido o prosseguimento do feito nos seus atos seguintes, TACITAMENTE RENUNCIOU a esse compromisso, como decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul já julgou (grifamos):


(...) CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM. Ambas as partes abriram mão da convenção de arbitragem, a autora, ao ajuizar a presente demanda e a ré ao contestá-la sem suscitar tal preliminar, como lhe facultava o art. 301, inc. IX, do CPC. Descabe, outrossim, atuação oficiosa do Juiz no que concerne ao referido compromisso, consoante disciplina o §4º do art. 301 do CPC. PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃO PROVIDA.(Apelação Cível Nº 70048405757, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mylene Maria Michel, Julgado em 21/05/2013)


Então, depois do prosseguimento do feito, a questão suscitada pelo Ministério Público, e acolhida pelo juiz de Primeira Instância, parece um tanto tardia ou descabida.


Há uma outra questão.


Deve a cláusula compromissória preencher certas condições: aspectos subjetivos, objetivos e formais.


Os requisitos subjetivos implicam que as partes consintam, livremente, em firmar a cláusula compromissória. Suas vontades não podem estar com vícios de consentimento (erro, dolo, coação, simulação e fraude), e as partes dever ter, além da capacidade genérica, a capacidade de transigir sobre o objeto da cláusula compromissória.


No caso de um contrato administrativo, ele decorre via de regra de uma LICITAÇÃO PÚBLICA. E, como tal, nesses casos ADERE-SE INCONDICIONALMENTE AO EDITAL DA LICITAÇÃO, não havendo escolha em torno da cláusula compromissória, de vez que o Contrato é um ANEXO DO EDITAL.


Para essa RECUSA EM ASSINAR O CONTRATO, há penalidades previstas pelo Art. 81 da Lei das Licitações. Há, portanto, VÍCIO DE CONSENTIMENTO, posto tratar-se de CLÁUSULA DE ADESÃO, sem escolha pela contratante da Administração Pública que, caso não assinasse tal contrato, poderia ser punida na forma da Lei de Licitações.


E há mais, a ser considerado. São requisitos objetivos aqueles relacionados com o objeto da cláusula, ou seja, deverá ser de direito patrimonial disponível. Logo, deve ser possível, tanto material, quanto juridicamente, determinável e possuir valor econômico.


Direitos patrimoniais disponíveis são aqueles cujo objeto pode ser avaliado pecuniariamente, podendo ser transferidos de uma pessoa a outra. Quando se trata, por exemplo, de uma OBRA PÚBLICA, executada de forma personalíssima e indiscutível pelo contratado da Administração, a sua avaliação pecuniária geralmente também PENDE DE QUANTIFICAÇÃO.


O fato de que os RECURSOS que financiaram a licitação serem eventualmente oriundos de um organismo internacional não retira dela o fato de ser um certame realizado NO BRASIL e, nesse aspecto, o próprio Artigo 42 § 5º da Lei das Licitações diz que “poderão ser admitidas, na respectiva licitação, as condições decorrentes de acordos, protocolos, convenções ou tratados internacionais aprovados pelo Congresso Nacional...”


E quando diz PODERÃO não significa que DEVERÃO.


Não se pode falar, portanto, em FALTA DE INTERESSE DE AGIR, para extinguir o processo sem julgamento do seu mérito, quando esse mesmo processo prosseguiu regularmente e sem qualquer resistência aos seus trâmites. Em todos os casos em que essa extinção do feito sem o julgamento do mérito se dá por existência da cláusula arbitral, ela ocorre no inicio do processo, impedindo a sua abertura. E geralmente também há a pretensão resistida da outra parte, que recorre se o prosseguimento do feito se dá regularmente na via judicial e não pela via arbitral, como consta da respectiva cláusula.


Assim, quando o juízo arbitral for incompetente ou a ele as partes RENUNCIAM EXPRESSAMENTE, negar às partes a apreciação da causa pelo Judiciário ofende o direito constitucional da parte credora em obter do Judiciário a prestação jurisdicional devida, quando ausente lei que lhe impeça isso, além de certa usurpação da competência do juiz natural.


É preciso que a autonomia da vontade seja respeitada, sob pena de ofensa ao direito constitucional à proteção judicial efetiva (art. , Inciso XXXV da Constituição Federal).


Porque a AUTONOMIA DA VONTADE DAS PARTES é princípio fundamental da arbitragem, sendo retratada na chamada convenção de arbitragem.


Por constituir um negócio jurídico, devem ser observados os pressupostos gerais de validade do negócio jurídico, a saber: agente capaz; objeto lícito, possível e determinado ou determinável; forma prescrita ou não defesa em lei; e manifestação de vontade livre e de boa-fé.


É admissível a utilização da arbitragem nesses casos a qual, todavia, apenas pode ser aplicada aos contratantes que tomarem parte e concordarem expressamente com a sua instituição. Num contrato decorrente de licitação, essa autonomia da vontade praticamente desaparece, não restando às partes outra alternativa que não a de assinar o respectivo contrato.


Como eu disse no primeiro parágrafo deste artigo, é bom prestar atenção, assim, à eventual existência de cláusula contratual optando pelo juízo arbitral, inserida quase sem ser notada, nos contratos administrativos. A essa altura, cabe prestar atenção a essa cláusula compromissória também nos contratos privados.






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