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"IDENTIFICANDO" UMA PROPOSTA "NÃO IDENTIFICADA".

por Roberto Schultz


Essa questão se aplica muito às propostas apresentadas no âmbito da Lei 12.232/10; que trata EXCLUSIVAMENTE das licitações de serviços de Publicidade e Propaganda, o que significa que é uma das poucas - senão a única - lei que trata de licitações para uma modalidade específica de serviços, no Brasil.


Todas as demais licitações são regidas pela moribunda Lei 8.666/93 ou pela recém-nascida Lei 14.133/21, que ainda está engatinhando.


Mesmo assim, alguns pregões eletrônicos (com entrega posterior de proposta em papel) para outros fornecimentos e/ou serviços, também se utilizam do expediente da proposta não identificada, a fim de conferir alguma ISENÇÃO a quem julga.


Para que a subcomissão técnica "julgue a mágica sem conhecer a identidade do mágico" o que equivale a julgar a TÉCNICA sem saber quem são as empresas que estão concorrendo na licitação. Avaliar as propostas apenas pela sua qualidade técnica, exclusivamente, sem sofrer qualquer influência quanto ao titular dessas propostas .


Ao menos em tese.


De qualquer modo, e com ênfase nas licitações de serviços de Publicidade e Propaganda que são os mais usuais, inúmeras discussões têm surgido por conta da suposta - ou não - identificação da proposta que não deveria estar identificada.


De um modo geral, essas discussões partem de uma espécie de "subjetividade contaminada" do licitante contra o seu concorrente. E obviamente dizemos que a subjetividade é "contaminada" porque o interesse óbvio daquele licitante que alega é desclassificar o outro. Daí enxergarem chifre de unicórnio na cabeça de um pangaré.


Em outros casos (cujo número é mais reduzido), é a própria Administração quem aponta que determinada característica da proposta do licitante é fator determinante para identificar aquela via que deveria ser a não identificada da proposta.


E aí já vimos de tudo acontecer, nesses longos anos atuando em licitações, para embasar pedidos de desclassificação (uns com êxito, outros não) por identificação da proposta.


A criatividade dos concorrentes para enxergar "potencial identificação da proposta" dos demais licitantes é imensa.


Desde a menção ao nome de um instituto de pesquisas constando no resultado de uma pesquisa (um instituto do Estado do Paraná quando havia apenas um licitante do Paraná na licitação); cor da folha de papel (ainda que sem o timbre da empresa); etiquetas num CD; cor da capa e do espiral de encadernação da proposta; orientação do texto; fontes; quandros demonstrativos e tabelas, etc...


E, agora, mais recentemente, num caso que enfrentamos, a alegação (da própria Administração) foi a cor de dois pendrive exatamente iguais: um na proposta identificada e outro igualzinho, na proposta não identificada.


O que desclassificou o nosso cliente na licitação.


Alguns aspectos, no entanto, não foram considerados.


O primeiro aspecto a ser considerado é de EXTREMA RELEVÂNCIA, pois demonstrou a impossibilidade fática e procedimental de que a subcomissão técnica tivesse acesso ao(s) pendrive(s) constante(s) da via identificada.


Por Lei e pelo Edital, a subcomissão técnica NÃO DEVERIA ESTAR PRESENTE; E EFETIVAMENTE NÃO ESTAVA, à sessão de recebimento dos envelopes, conforme se via do próprio edital da licitação.


Diante do fato de que aquela subcomissão não deveria estar presente, e não estava, à sessão de recebimento das propostas, QUESTIONA-SE: QUAL A CHANCE DAQUELA SUBCOMISSÃO TÉCNICA TER ACESSO A OUTRO PENDRIVE, que não apenas aquele constante da via não identificada e que era a única via da proposta técnica que cabia àquela subcomissão apreciar e julgar?


A questão da suposta identificação da via não identificada não é nova, e já se deu no âmbito de diversas licitações de serviços de Publicidade e propaganda.


Na Concorrência nº 001/2020 – CPL/ALAP, da Assembléia Legislativa do Estado do Amapá, por exemplo, a Comissão Permanente de Licitação assim apreciou a questão (grifamos e sublinhamos) e isso citando julgamento havido no Estado de São Paulo:


“12. O envelope 1 (Via Não Identificada) foi enviado em 26/11/2020, e a entrega do envelope 3 (via identificada) foi realizada em 20/01/2021 para a Comissão Julgadora, ou seja, quase 2 meses de intervalo, o que afasta qualquer possibilidade de identificação, já que o envelope 3 só foi entregue depois do envelope 1 ter sido julgado (documentos anexos).


(...)


Em primeiro lugar, a subcomissão julga o plano de comunicação e encaminha à comissão de licitação as propostas, as planilhas com as pontuações e as justificativas escritas das razões que a fundamentaram. Somente depois, em segundo lugar, a subcomissão avalia o terceiro envelope, com os quesitos destinados a avaliar a capacidade de atendimento do proponente e o nível dos trabalhos por ele realizados para seus clientes, encaminhando à comissão de licitação, da mesma forma como ocorre em relação ao plano de comunicação, as propostas, as planilhas com as pontuações e as justificativas escrita das razões que a fundamentaram (incisos I a VI do §4º do art. 11 da Lei Federal nº 12.232/10).


(...)


Desta forma, NÃO HOUVE IDENTIFICAÇÃO DA LICITANTE EM RAZÃO DO CUMPRIMENTO DA EXIGÊNCIA LEGAL DE NÃO PARTICIPAÇÃO DA SUBCOMISSÃO TÉCNICA NA SESSÃO DE RECEBIMENTO DOS ENVELOPES como determinado pelo art. 11, §§1º e 2º da Lei Federal nº 12.232/10 , especialmente, em razão dos INVÓLUCROS PADRONIZADOS TEREM SIDO FORNECIDOS PELA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, TODOS IGUAIS E SEM IDENTIFICAÇÃO, de forma que, quando recebidos pela Subcomissão Técnica a mesma não pode identificar a respectiva licitante.


2.4.4. DA ANÁLISE JURISPRUDENCIA DE SITUAÇÃO FÁTICA EQUIVALENTE: Em consulta ao sítio eletrônico do Tribunal de Justiça de São Paulo2, observamos a análise e julgamento de questão equivalente (porém mais complexa) na qual (mesmo assim) se conclui pela manutenção do certame, pelo que transcrevemos o inteiro teor abaixo:


(TJ-SP - AI: 21428918820158260000 SP 2142891-88.2015.8.26.0000, Relator: Teresa Ramos Marques, Data de Julgamento: 22/07/2015, 10ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 23/07/2015):


(...)


Sua identificação somente tornou-se viável com a abertura do segundo envelope, contendo a via identificada do Plano de Comunicação. Seu plano de comunicação já havia sido avaliado e pontuado muito antes do conhecimento das autorias, constatando uma acachapante diferença entre as pontuações atribuídas a uma e outra licitante: 6 pontos. A impetrante manipula os fatos para criar uma suspeita falsa em torno da lisura do certame, assentada em um formalismo exagerado e injustificado, critério de julgamento vedado pela jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça. Considerando verdadeira a tese da impetrante, haveria necessariamente um conluio com algum membro da Subcomissão Técnica que pudesse detectar a palavra “Santos” como identificadora da “Puxe Comunicações”. Se assim fosse, bastaria o emprego de alguma sutileza, como, por exemplo, deixar de colocar o “til” em Ribeirão ou em alguma planilha, medida de impossível percepção.


(...)


2. Na inicial, a impetrante assim fundamenta o pedido de suspensão do certame: “A previsão legal que veda a inclusão de elementos identificadores às propostas não se aplica a todos e quaisquer elementos, mas sim a “marca, sinal ou palavra QUE POSSIBILITE A IDENTIFICAÇÃO DO SEU PROPONENTE ANTES DA ABERTURA DO INVÓLUCRO ”.


(...)


POSTO ISSO, conclui-se que NÃO HOUVE IDENTIFICAÇÃO DA LICITANTE EM RAZÃO DO CUMPRIMENTO DA EXIGÊNCIA LEGAL DE NÃO PARTICIPAÇÃO DA SUBCOMISSÃO TÉCNICA NA SESSÃO DE RECEBIMENTO DOS ENVELOPES como determinado pelo art. 11, §§1º e 2º da Lei Federal nº 12.232/10 e, PRINCIPALMENTE, em razão dos INVÓLUCROS PADRONIZADOS TEREM SIDO FORNECIDOS PELA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, TODOS IGUAIS E SEM IDENTIFICAÇÃO, de forma que, quando recebidos pela Subcomissão Técnica a mesma não pode identificar a respectiva licitante, em razão do que A CENTRALIZAÇÃO E AFIXAÇÃO DE PEN DRIVE (PADRONIZADO) EM PAPEL BRANCO INSERIDO NO INVÓLUCRO Nº 1 não teve a capacidade de identificar para a Subcomissão Técnica a empresa que o apresentou.”



Como se disse antes, então, e a exemplo do que ocorreu naquela Concorrência para serviços de Publicidade e Propaganda no Amapá, antes transcrita, não foi possível identificar a licitante pelo recebimento da via não identificada, de vez que a subcomissão técnica – por Lei e pelo edital – não estava presente na sessão de abertura.


Ademais, nem a cor dos pendrives (cor preta) e nem mesmo o fato de utilizarmos pen drives, se trataria de uma infração.


Sobretudo porque se tratam de pendrives que poderiam ser livremente adquiridos no mercado por QUALQUER LICITANTE, e que não têm, tais pendrives, nada de “especial” ou “distintivo”, são absolutamente comuns!


Quando a Legislação e alguma jurisprudência dizem que a via não identificada não pode trazer qualquer "marca identificativa", obviamente não estará se referindo à "marca comercial" de um pendrive ou de um CD. Mas a uma "marca proposital"; que não seja aquela de fabricação do dispositivo, de modo que se possa identificar a proposta do licitante.


Num caso julgado em licitação do Governo do Estado de Minas Gerais, a hipótese suscitada por um licitante como sendo de "identificação proposital" pela concorrente à subcomissão técnica foi qualificada pelo julgador administrativo mineiro como sendo “lamentável”, sublinhando que para que tal identificação da licitante se desse, teria necessariamente que ocorrer uma espécie de “conluio” da licitante com a subcomissão técnica e isso não teria ocorrido naquele caso.


DVD, Pendrive, CD, CDRW, HD, seja lá qual seja a mídia eletrônica empregada, o fato é que não existe espaço – nem na Legislação e na jurisprudência, e nem no caso específico daquela nossa cliente (que foi inoxeravelmente desclassificada, mesmo atingindo a melhor e mais alta pontuação) para a estranha figura da “eventual identificação” da proposta, ou de “possível identificação” que sustentou tal desclassificação.


A rigor, e isso salta aos olhos, todas as propostas não identificadas são “eventualmente identificáveis"! O problema é que a Legislação não prevê a figura da "possível"; "provável"; "eventual" e nem sequer para uma "suspeita" identificação.


Pelo rigor da Legislação, e no caso concreto (então atenção para a casuística), ou a proposta é identificada ou é não identificada.


Não deveria existir uma desclassificação baseada na pura e simples "possibilidade".


Mas o fato é que está existindo e desclassificando muita gente.



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