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ATESTADO EM CAUSA PRÓPRIA. A "AUTO-ATESTAÇÃO" E UMA NOVA FIGURA: A "AUTO-ATESTAÇÃO" INDIRETA.

Atualizado: 19 de mar. de 2022


Por Roberto Schultz


Mais uma vez a discussão se dá em uma licitação de equipamentos de TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO. Mas poderia se dar em outras áreas, das mais diversas. De material escolar a equipamentos hospitalares. De veículos a alimentos.


Sempre relato nos meus artigos, aqui, que as provocações do dia a dia profissional são a melhor escola para enfrentarmos questões que às vezes nem imaginaríamos enfrentar ou sequer existir.


E o mais angustiante, quando o advogado precisa fazer uma “defesa” (na via administrativa ou na judicial) é não encontrar material doutrinário ou jurisprudencial para “defender a tese”. Não uma tese de mestrado ou doutorado, de cunhos meramente acadêmicos. Mas uma tese que irá tentar proteger ou “salvar” o direito do seu cliente, que é a razão pela qual você estuda “na vida real” e não apenas no campo das ideias.


Você também pode encontrar a discussão sobre o assunto, mas não “mastigada” ou exatamente igual ao caso concreto – e de fato, portanto – que você está enfrentando.


Aí você é obrigado a “construir a tese”, ou a aplicar a analogia ao que já foi estudado em casos assemelhados. O que nem sempre é fácil. Os advogados sabem do que estou falando, embora o cliente nem sempre entenda que isso demanda estudo e muita, mas muita pesquisa. Alguns acham que isso “sai pronto da nossa cabeça”. E não sai.


Enfrentamos um caso interessante.


Numa licitação da qual participou uma empresa nossa cliente, uma das licitantes (e concorrente) era o próprio fabricante dos produtos ofertados. Até aí, tudo bem.


Só que ser o fabricante não isenta qualquer participante de apresentar os obrigatórios atestados de capacidade técnica para comprovar a sua experiência. E esse fabricante os apresentou.


Só que os atestados apresentados trouxeram um problema quanto ao seu “mérito”; ao direito material contido neles, eis que foram emitidos por distribuidores do próprio fabricante, o que equivale a dizer que esse último forneceu equipamentos não para um consumidor final, mas para os seus próprios distribuidores REVENDEREM!


Ora, a finalidade da apresentação dos atestados é justamente a de comprovar a satisfatoriedade da execução de objeto similar ao da licitação.


Para esse fim, os atestados apresentados devem se revestir de alguns requisitos, exprimindo com veracidade informações relevantes que possam subsidiar a Administração a tomar uma decisão segura quando do julgamento da habilitação dos licitantes.


Ora, leitor, atestados apresentados por empresas distribuidoras do próprio licitante (que é o fabricante) equivalem à situação de AUTO-ATESTAÇÃO, ou seja, como se de atestados emitidos “em causa própria” se tratassem.


Quer dizer, quando o fabricante (que naquela caso era também a licitante), recebe atestados de empresas para as quais forneceu com o intuito de revender (e não para utilizar em proveito próprio, como usuário final), está virtualmente recebendo “atestados de si mesma”.


E aí o problema para nós, advogados: essa situação praticamente INEXISTE na doutrina ou na jurisprudência.


A não ser falando sobre aquelas hipóteses em que a empresa fornece um atestado para si mesma. Vou dar um exemplo: a empresa licitante é uma construtora (obras e serviços de Engenharia). E constrói um prédio para instalar a sua própria sede administrativa. Depois, emite um atestado em causa própria que dirá, em resumo, "esta empresa tem a capacidade de construir um prédio".


O caso que enfrentamos é diferente. São duas empresas diferentes (fabricante e distribuidor), é verdade, mas pela ficção legal elas buscam o mesmo objetivo.


E nem vamos entrar na questão da PERSONALIDADE JURÍDICA ou de GRUPO ECONÔMICO das empresas distribuidoras; que não desconhecemos terem outro CNPJ, outro endereço, outros sócios, etc..., em relação ao fabricante.


A questão não é essa.


A questão é sobre a PRIMAZIA DA REALIDADE.


Pelo “Princípio da Primazia da Realidade”; que usualmente é aplicável ao Direito do Trabalho, no caso então discutido atrai o claro impedimento de uma empresa atestar em favor da outra. Desimporta, num caso assim, que as empresas “não façam parte do mesmo grupo econômico” ou que “se tratem de empresas com personalidades jurídicas distintas” na medida em que o objetivo de ambas, no caso, é comum, o qual seja, o objetivo de fornecer equipamentos daquela marca. Seja o próprio fabricante, sejam os seus distribuidores.


Num caso assim, tanto o fabricante quanto os distribuidores que forneceram ao primeiro os respectivos atestados indiscutivelmente SE BENEFICIAM de um fornecimento do produto produzido pelo fabricante e, por via óbvia de consequência, não “atestariam uma contra a outra” (quer dizer, em situação que uma pusesse a outra em situação desfavorável).


E é esse OBJETIVO comercial de ambas é que precisa ser levado em consideração, para o fim de que esses atestados possuam a VERACIDADE, ou a FORÇA PROBATÓRIA necessárias para atestar perante a Administração Pública numa licitação.


Pelo já mencionado “Princípio da Primazia da Realidade”; que como já dissemos tem sido largamente utilizado no Direito do Trabalho mas que também pode aplicar-se a outros ramos do Direito, é disposto que os fatos devem prevalecer sobre os documentos. Ou seja, por mais que exista registro formal declarando determinada situação ou condição, este deve ser desconsiderado mediante a constatação de divergências entre ele e as circunstâncias fáticas E REAIS.


O distribuidor atestar em favor do fabricante caracteriza, também; ainda que na sua forma INDIRETA, a “auto-atestação”, o que já foi tratado pelo Tribunal de Contas da União (TCU).


E aí nós; analisando a questão e para contemplar aquilo que já existe na doutrina e na jurisprudência mas, também, aquilo que ainda não existe, criamos uma inédita tese de que podem ocorrer duas hipóteses de "auto-atestação".


Por essa nossa tese, a “auto-atestação” DIRETA é quando a empresa emite atestado em favor de si mesma; por fornecimentos ou serviços prestados para proveito seu.


E a “auto-atestação” INDIRETA é quando a empresa faz isso por interposta pessoa; ainda que de personalidade jurídica e corpo societário distintos, mas que trabalham em prol de um mesmo objetivo que, no caso presente, é o de revender produtos ou serviços do mesmo fabricante ou prestador de serviços.


Nesse último caso, o que conta, é a quem se destinaram tais produtos ou serviços, obviamente se DESCONSIDERANDO como tal (FORNECIMENTO ou PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS), quando o destinatário final não for um consumidor, mas alguém que irá utilizar aquele objeto para se dedicar a um novo fornecimento a terceiros.


A lógica é, também, a mesma aplicável ao CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR e das discussões que são travadas no seu âmbito. E que somente leva em consideração relações que sejam de consumo, entre as partes.


Com isso, a atestação de capacidade técnica somente pode assim ser considerada se ela se der numa relação de consumo o que no caso concreto analisado por nós, entre o fabricante e seus distribuidores, ABSOLUTAMENTE NÃO OCORRE.


Assim, pode-se afirmar que são elementos da relação de consumo:


a) Elementos subjetivos: o CONSUMIDOR e o FORNECEDOR;


b) Elementos objetivos: o PRODUTO OU O SERVIÇO.


Para que uma relação jurídica seja caracterizada como uma relação de consumo, é necessário que haja a presença dos elementos subjetivos e de pelo menos um dos elementos objetivos mencionados acima.


A falta de qualquer um desses requisitos descaracteriza a relação jurídica de consumo, afastando-a, portanto, do âmbito de aplicação do Código de Defesa do Consumidor e, no caso presente, servindo para demonstrar como também no âmbito do Direito Administrativo e das Licitações Públicas não se pode “atestar consumo ou fornecimento” quando ele, de fato, não ocorreu.


O elemento subjetivo "consumidor" inexiste num atestado de capacidade técnica apresentado numa licitação quando o fabricante comprova que forneceu para um distribuidor ou revendedor seu, já que a “pessoa jurídica de direito público ou privado” que detém a efetiva legitimidade para atestar deve, também, estar investida da condição de consumidor ou usuário final e não a de um mero revendedor.


Não há, nessa relação, um ente atestante capaz de dizer “recebi o produto, ele foi instalado; ocorreu um treinamento (se for o caso) e fui amparado pelas condições de assistência técnica necessárias”.


Porque nesse caso há ainda mais esse impeditivo.


Nessa modalidade de fornecimento para entidades públicas ou privadas (que são os consumidores e usuários finais), o fabricante deve apresentar atestados de capacidade técnica que incluam, sim, o fornecimento de equipamentos e softwares, mas também O SERVIÇO DE SUPORTE/GARANTIA DOS EQUIPAMENTOS E O SERVIÇO DE INSTALAÇÃO DO MESMOS.


Nesses casos, geralmente o edital da licitação traz EXIGÊNCIAS EXPRESSAS de QUALIFICAÇAO TÉCNICA que requerem a INSTALAÇÃO FÍSICA DE EQUIPAMENTOS; LICENÇAS; bem como TODOS OS DEMAIS REQUISITOS QUE FOREM EXPRESSAMENTE EXIGIDOS PARA QUE O ATENDIMENTO DA QUALIFICAÇÃO TÉCNICA FOSSE CONSIDERADO COMO “EM CONFORMIDADE” COM O QUE O EDITAL EXIGIU.


Sem aqueles requisitos, não é possível que o ente (público ou privado) possa atestar.


No caso específico de venda de fabricante para um distribuidor (que está no meio da cadeia de fornecimento); como é o caso do fabricante e das mencionadas distribuidoras, existe apenas a venda dos equipamentos e mais nenhum daqueles requisitos usualmente exigidos pelo Edital.


Nesse caso, inexistem o serviço de instalação e ativação do suporte /garantia dos mesmos pois aqueles somente serão efetivados para um USUÁRIO FINAL.


Considerando que o atestado é previsto na lei como MEIO DE PROVA DE CAPACIDADE TÉCNICA, a sua emissão deverá estar cercada de garantias de IMPESSOALIDADE, como condição NECESSÁRIA DE ACEITABILIDADE e de FORÇA PROBATÓRIA.


A Lei de Licitações (art. 30, § 1º) determina que a comprovação de capacidade técnica seja feita “por atestados fornecidos por pessoas jurídicas de direito público ou privado".


Ora, a Lei 8.666/93 (assim como a atual 14.133/2021) tem por pressuposto que essa pessoa atestante será distinta das pessoas beneficiárias do atestado ou, pelo menos, como no caso presente, que a relação entre ambas seja de efetivo consumo e não de uma “parceria comercial”.


O próprio Tribunal de Contas da União diz que o "auto-atestado" contraria a sistemática de prova de habilitação, razão pela qual esse tipo de documento é inválido para fins licitatórios, conforme já entendeu aquele TCU.


Sempre lembrando que a única hipótese, até o presente momento, suscitada e julgada pelo TCU é aquela da empresa que emite um atestado para si mesma.


O TCU, e a doutrina, ao que se saiba, em momento algum trata da AUTO-ATESTAÇÃO INDIRETA, que é a tese inédita que defendemos ocorrer entre o fabricante e seus distribuidores.


Aquele Tribunal trata, apenas, daquilo que convencionamos na nossa tese inédita chamar de AUTO-ATESTAÇÃO DIRETA, da licitante para a própria licitante.


Num caso assim, de "auto-atestação" INDIRETA, entendemos nós, cabe à Administração averiguar tais atestados apresentados pelo licitante-fabricante na licitação e que foram emitidos por distribuidores ou revendedores do próprio fabricante, a fim de que não se caracterize essa “auto-atestação” indireta.


Parece óbvio que ao se deparar com atestados emitidos por empresas que possuam algum tipo de relação ou parceria comercial, como no caso, deve a Administração agir de forma diligente e cautelosa, com vistas a evidenciar que o conteúdo do atestado é verdadeiro e exprime a verdade dos fatos, bem como que as empresas realmente empreenderam a relação de FORNECIMENTO.


O que, acreditamos, é virtualmente impossível de ocorrer na prática, já que o fornecedor fornece ao revendedor mas não instala e nem presta garantia àquele revendedor, senão a eventuais terceiros e clientes do mesmo revendedor.


Para tanto, diligências desse tipo podem envolver a exigência de CÓPIAS DOS CONTRATOS; NOTAS FISCAIS OU OUTROS DOCUMENTOS QUE DEMONSTREM A EFETIVA (e satisfatória) execução de um FORNECIMENTO (ainda que siga sendo inválido, porquanto auto-atestório).


São sutilezas da comprovação de capacidade técnica, até agora pouco exploradas.





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