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SERVIÇOS DE ENGENHARIA SÃO CONSIDERADOS "COMUNS" E, POR ISSO, CONTRATÁVEIS POR PREGÃO? DEPENDE!


Por Roberto Schultz


O Brasil amanheceu hoje (11/04/2022) com mais essa bomba em matéria de licitações; que não foi divulgada por um veículo de imprensa específico mas em inúmeros sites. Portanto, não cremos se tratar de uma matéria "contra o governo", mas da divulgação de um fato.


Essa matéria abaixo, especialmente, é de O Antagonista.


Segundo todos esses sites, a construtora Engefort, do Maranhão, juntamente com uma subsidiária ou coligada daquela pelos "estreitos laços do casamento" (societário), estaria aguardando ansiosamente pela bagatela de R$ 620 milhões decorrentes de obras públicas executadas ou a executar.


Os problemas alegados na matéria; e que supostamente teriam ocorrido naquele caso, são conhecidos em tese, no mundo das licitações.


Por isso ressalvo que não sei se eles correspondem à realidade no caso específico que está sendo noticiado, já que não conheço a discussão administrativa ou judicial da Engefort e da CODEVASF (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba).


O meu objetivo aqui é apenas o de comentar e debater a matéria jurídica em questão e não o de "julgar o mérito" em relação aos envolvidos.


Porém nós; que já atuamos em inúmeras licitações da área da CONSTRUÇÃO CIVIL e de OBRAS E SERVIÇOS DE ENGENHARIA ao longo de todos esses anos de experiência (mais de 25 anos), já vimos todos esses problemas mencionados na matéria, antes: atuação com empresas de fachada; participação de "parceiros" ou "irmãos" (no mau sentido) na mesma licitação; aparente superfaturamento; empresas sem experiência ou sem condições logísticas de executar a obra, etc...


Antes de seguir, ressalvo também que sobre o caso específico das condições logísticas a questão é discutível, e por isso grifei a expressão no parágrafo anterior. Uma empresa não precisa ter a propriedade de máquinas e equipamentos para fazer uma obra. Basta ter esses itens à sua disposição. Ressalvado isso, seguimos adiante.


A grande discussão aqui, e que parece ter ocorrido e estar pesando lá na CODEVASF se desdobra em DUAS:


OBRAS E SERVIÇOS DE ENGENHARIA:
a) podem ser contratados pela modalidade PREGÃO ou PREGÃO ELETRÔNICO?
b) podem ser considerados SERVIÇOS COMUNS?

Antes de abordarmos o assunto propriamente dito, cabe referir que na matéria de O Antagonista há uma impropriedade técnica; ou um erro de expressão, que induz o leitor a uma certa inverdade. Ali está dito que "A empresa instituiu um modelo de licitação simplificada chamado pregão eletrônico, que ocorre de forma online" (sublinhei).


Dito assim ("A empresa instituiu um modelo de licitação") nos dá a impressão de que foi a CODEVASF quem "criou" o modelo ou que subverteu a modalidade nas licitações da Companhia. E não é bem isso. A modalidade do pregão eletrônico vem de longe e obviamente não foi "criada" e nem sequer "adaptada" pela e para a CODEVASF.


O Decreto nº 3.555/00; que instituiu a modalidade PREGÃO (e aqui ainda sem o tipo "eletrônico"), no seu artigo 5º, já dizia que que o mesmo não se aplica às contratações de obras e serviços de engenharia.


Em 2002, a Lei nº 10.520/02 possibilitou a utilização dos meios eletrônicos para o pregão, mas deixando clara a aplicação exclusivamente para a contratação de bens e serviços comuns, o que no seu artigo 1º vinham considerados como aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado.


Então, aqui, a nossa PRIMEIRA RESPOSTA: a Lei nº 10.520/02 não veda, expressamente, a contratação de obras e serviços de engenharia por meio de pregão.


Mas o objeto da licitação DEVE (e não apenas "pode") ser um bem ou serviço comum.


E "é aí é que está o busílis", como diria o personagem comissário Matos, na obra AGOSTO, do saudoso Rubem Fonseca.


A mim me parece que pela interpretação da Legislação não se pode chamar uma contratação de Engenharia de "obra ou serviço comum". O art. 6º, inciso IX, da Lei n.º 8.666/93, determina que seja definido completa e detalhadamente o objeto licitado, com “nível de precisão adequado para caracterizar a obra” e “que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução”.


Por esses critérios, mesmo a nós leigos em Engenharia fica claro que tais obras e serviços não são exatamente "comuns"; inclusive pelos riscos futuros da obra e às vidas que transitarão no objeto dessa obra, o que torna uma contratação assim incompatível com a aplicação do pregão.


Mais três anos se passaram e foi publicado o Decreto nº 5.450/05, regulamentando o pregão eletrônico na esfera federal da Administração. E aquele disse a mesma coisa: a modalidade não se aplica na contratação de obras de engenharia, nada referindo quanto aos serviços de engenharia.


Se sabe que há uma polêmica nesse negócio. Doutrinadores e o TCU entendem que a proibição é discutível porque a Lei original do Pregão não menciona a mesma proibição e que por isso o Decreto 5.450/05 não poderia proibir aquilo que a própria Lei que aquele regulamenta não proibiu.


A sutileza jurídica toda está em que a Lei original (10.520/02) e o Decreto (5.450/05) não mencionam expressamente a proibição da contratação de serviços de engenharia pelo Pregão, apenas dizem que a modalidade "não se aplica".


Isso para dar um "nó" na cabeça dos advogados e ficarmos matutando que "não se aplica" pode ser apenas uma questão de "incompatibilidade" e que eventual proibição seria uma questão de absoluta "impossibilidade" ou de "vedação expressa".


Seja qual for a discussão "filosófica" e jurídica, o fato concreto e da vida real (e que são os que nos interessam, e não as meras discussões acadêmicas) é que tem gente aplicando largamente a modalidade em obras e serviços de engenharia, como parece ser o caso da CODEFASV, mencionada na matéria.


Disso tudo, nos parece que acima de tudo seria bom sabermos se o serviço de engenharia pode ser caracterizado como "comum".


Nem sempre a questão pode ser aferida "em tese" ou mediante exaustivas discussões doutrinárias que não chegam a lugar algum.


Parece que o mais adequado é examinar cada caso.


O autor JORGE ULISSES JACOBY FERNANDES ( na obra Sistema de registro de preços e pregão presencial e eletrônico, 3. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2009); conhecido na doutrina administrativista, pondera que o serviço de engenharia pode ser considerado comum se observadas as seguintes condições: (a) as características, quantidades e qualidades forem passíveis de ser estabelecidas através de especificações usuais de mercado; e (b) mesmo que exija profissional registrado no CREA para a execução, a atuação desse não assume relevância, em termos de custo, complexidade e responsabilidade, no conjunto do serviço.


O Tribunal de Contas da União já sumulou a questão com a Súmula nº 257, segundo a qual cabe a aplicação da modalidade pregão para a contratação de serviços comuns de engenharia, o que estaria fundamentado na Lei nº 10.520/2002.


Então, o Decreto nº 10.024/2019, e que também disciplina a utilização do formato eletrônico do pregão, prevê no seu art. 4º, inciso I, que o pregão, na forma eletrônica, não se aplica a contratações de determinados tipos de obras.


Mas o Decreto faz algumas distinções.


No seu artigo 2º, § 1º, determina que "A utilização da modalidade de pregão, na forma eletrônica, pelos órgãos da administração pública federal direta, pelas autarquias, pelas fundações e pelos fundos especiais é obrigatória".


Para, em seguida, e agora no art. 3º e inciso III dizer que para os fins do disposto no Decreto, considera-se "bens e serviços especiais – bens que, por sua alta heterogeneidade ou complexidade técnica, não podem ser considerados bens e serviços comuns, nos termos do inciso II;".


A definição do que seja "serviço comum de engenharia" vem no inciso VIII do mesmo artigo, segundo o qual, é aquele serviço comum a "atividade ou conjunto de atividades que necessitam da participação e do acompanhamento de profissional engenheiro habilitado, nos termos do disposto na Lei nº 5.194, de 24 de dezembro de 1966, e cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pela administração pública, mediante especificações usuais de mercado;".


Por fim, e a propósito da proibição contida no mesmo Decreto 10.024/2019, o art. 4º (inciso III) sentencia que o pregão, na sua forma eletrônica, não se aplica a "bens e serviços especiais, incluídos os serviços de engenharia enquadrados no disposto no inciso III do caput do art. 3º. (Grifamos)


Disso tudo se conclui, mais uma vez, que é mediante a análise do "caso a caso" que se decide pela aplicação, ou não, da modalidade acertada de licitação.


E é nesse sentido que somente conhecendo exatamente o que aconteceu em cada um dos editais da CODEVASF, é que se poderia aferir a eventual irregularidade pela própria Companhia e/ou pela sua contratada, a ENGEFORT.


Porque fica claro que no âmbito federal da Administração Pública, é obrigatória a utilização do pregão eletrônico quando o objeto for classificado como serviço comum de Engenharia.


Não sendo, pois, o serviço de engenharia considerado assim mas, ao contrário disso, sendo considerado como "serviço especial de Engenharia" (art. 4º, inciso III do Decreto 10.024/2019), não se aplica o pregão (e muito menos o pregão eletrônico).


Nesses casos (os de "serviço especial de Engenharia"), deve-se recorrer às modalidades usuais da Lei nº 8.666/1993 ou, mais modernamente, da Lei 14.133/2021, a serem definidas em razão do valor estimado para cada contratação.


No caso da CODEVASF e da relevância das obras necessárias para o atingimento do objetivo social daquela Companhia, bem assim em relação ao valor que está sendo noticiado das contratações, o que me parece (e apenas parece) é que estivemos, o tempo todo, diante de serviços especiais de engenharia.


Mas as aparências às vezes enganam.







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