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O"ERRO FORMAL" E O "PRINCÍPIO DO FORMALISMO MODERADO" COMO DESCULPA PARA SANEAR QUALQUER FALHA.

Atualizado: 19 de mar. de 2022


por Roberto Schultz


Há algum tempo foi criado – na doutrina e na jurisprudência – um conveniente amparo para quem, por desídia, apresentar, numa licitação, uma proposta ou documentos com erros.


A “salvação da lavoura” é sempre aquele caminho conhecido de denominar as falhas de “erros meramente formais”, ou de invocar o “princípio do formalismo moderado” e aquele bla-bla-bla de sempre.


O pior, sabe o que é? Essa desculpa esfarrapada quase sempre “cola” perante a Administração e o licitante faltoso sai incólume e segue classificado ou habilitado.


Já o concorrente; que se preocupou em apresentar tudo certinho e como manda o edital, paga um incômodo papel de “trouxa”.


Ainda não ficou claro, para mim, se essa aceitação do erro é crença real no tal formalismo moderado; se é incapacidade de argumentar contra a jurisprudência; se é preguiça do órgão da Administração para “não se incomodar”, ou se é má-fé (às vezes isso ocorre, também).


Mas melhor do que argumentar “em tese”, é mencionar um exemplo prático, pois são esses exemplos que nos inquietam (e incomodam muito, em alguns casos), no dia a dia das licitações.


Em determinado pregão eletrônico, uma das OBRIGAÇÕES dos licitantes em acordo com o edital era enviar a habitual planilha de custos; sendo que uma versão daquela planilha deveria ser enviada inicialmente e a outra após a fase de lances, devidamente adequada ao último lance ofertado na negociação.


De tal modo era RELEVANTE tal planilha que no item de prazos e formas para encaminhamento foi expressamente disposto que “O não encaminhamento da Proposta e da Planilha de Custos, nos prazos acima definidos, implicará na sua desclassificação”.


Uma das licitantes trazia nítida divergência nos seus documentos que comprovavam a composição do preço então ofertado (documentos esses que consistiam no SPED-contábil, planilha de custos e planilha de custos final), em relação aos percentuais apresentados.


Na planilha de custos inicial foi apropriado o percentual de 5% (cinco por cento) para a Despesa Operacional/Administrativa, totalizando um determinado valor.


Não foi o que constou da Planilha de Custos final.


Ali, curiosamente, o percentual de Despesa Operacional/Administrativa FOI ZERADO, ou seja, ali atribuíram o percentual 0% (“zero por cento”) e, consequentemente, a informação era a de que a licitante não possuía esse custo.


O objeto licitado tratava de um contrato de prestação de serviços cujo período de execução era de pelo menos 48 (quarenta e oito) meses.


Nosso cliente estudou a “lição de casa” e "partiu para cima" do concorrente, simplesmente se utilizando das ferramentas que o estudo e a ciência da Contabilidade põem à disposição de qualquer interessado e conhecedor da matéria.


Assim é que, para apurar, de fato, qual o percentual de Despesa Operacional/Administrativa, o nosso cliente e seus contadores recorreram a uma análise do SPED contábil apresentado pela própria concorrente naquele pregão eletrônico.


Com base no SPED, a nossa cliente percebeu que o percentual de Despesa Operacional/Administrativa, de acordo com os critérios legais, deveria ser de 9,15% (nove, vírgula, quinze por cento). Ou seja, superior ao primeiro índice apresentado (que foi de 5%) e bem superior ao percentual utilizado na planilha de custos final (que foi de 0 % - zero por cento) encaminhada ao órgão licitador.


Naquele caso, ainda, se observava um agravante: na mencionada planilha de custos apresentada pela licitante concorrente não foram considerados os desembolsos com IRPJ e CSLL.


Determinados índices e carga tributária integrantes; direta ou indiretamente, da planilha de custos, sim, ficam a critério do licitante e em acordo com as suas atividades e/ou expectativa de lucro, enquanto empresa. Sabe-se disso.


Ocorre que outros custos não dispõem dessa "liberdade".


O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo, fez elaborar - em julho de 2020 - um MANUAL DE PREENCHIMENTO DO MODELO DE PLANILHAS DE CUSTOS E DE FORMAÇÃO DE PREÇOS onde, nas justificativas para o trabalho (CONTEÚDO E RELEVÂNCIA), elenca (fl. 8):


Portanto, é essencialmente pelo custo direto que a Administração pode promover o controle financeiro do contrato. É lícito concluir que as planilhas de custos servirão, a um só tempo, ao planejamento da contratação e à gestão do contrato. Afinal, ao tempo da repactuação ou da prorrogação do contrato, será possível verificar a elevação efetiva dos custos diretos.


Isto posto, é importante advertir que boa parte dos órgãos e entidades públicas, ao realizarem a atividade de pesquisa de preços para contratos de terceirização, ainda adotam método equivocado para apurar o valor estimado da contratação, centrando sua pesquisa apenas no encaminhamento das planilhas de custos, em branco, para que as empresas do ramo pertinente as devolvam preenchidas.


É fácil perceber que esta não é a forma mais adequada para se apurar o valor estimado da contratação. Ao permitir que as próprias empresas definam o seu custo direto, estarão elas possibilitadas a majorar propositalmente tais custos, alvitrando lucro sobre o que deveria ser custo direto, conforme demonstrado no exemplo acima.


Assim, deve a Administração, ela mesma, por meio de seus técnicos, investigar o mercado em relação a cada custo (direto) unitário, pesquisando o preço médio da mão de obra que será empregada, dos materiais, insumos, EPIs e calculando a depreciação de equipamentos, tudo, a partir das mesmas fontes de pesquisa que seriam utilizadas caso a administração fosse adquirir tais itens de forma direta.

(grifamos e sublinhamos)


Então, não se poderia – naquele caso – usar o lugar-comum de que se tratava de mera “correção da planilha” para adequação, pelo licitante, porque a questão não era apenas essa. Portanto não se poderia incorrer, ali, na rasa e repetitiva aceitação de que aquele fosse um “erro meramente formal”.


Além da divergência entre o percentual de custo apresentado em dois momentos; e aquele efetivamente apurado pela regra contábil, em relação à carga tributária relativa ao IRPJ e CSLL isso era ainda pior, porque a não consideração daqueles tributos NÃO PODE SER “CORRIGIDA” por uma diligência, ou "adequação".


Pela simples razão de que se trata de uma carga tributária OBRIGATÓRIA a qualquer empresa que fosse executar o contrato pelos 48 meses demandados pelo respectivo edital.


Não desconhecemos que o fato de a empresa cotar determinados custos negativos ou de valor igual a zero é admitida, desde que se comprove a viabilidade da proposta.


No caso de empresas de administração de vale-refeição/alimentação e vale-combustível, por exemplo, é de conhecimento comum que a tais empresas extraem a maior parte da sua remuneração dos estabelecimentos comerciais em que os “vales” são utilizados e trocados por produtos (alimentação/refeição/combustível). Portanto, é perfeitamente crível que essas, mesmo cotando, nas licitações, taxas de administração muito baixas ou negativas consigam suportar o ônus do contrato e ainda auferirem o desejado lucro.


O mesmo não pode ser dito das empresas envolvendo serviços de tecnologia num nível como aquele então licitado no nosso exemplo prático.


Ora, ali era fácil perceber o enorme risco de inexequibilidade do contrato ou, pior ainda, da prática ilegítima do chamado jogo de planilha, quando da apresentação de taxa nula na proposta para os serviços.


Pois, se o valor é repassado integralmente para o fabricante, e a empresa licitante “não tem despesa operacional” e nem considera os custos com IRPJ ou CSLL, não sobra absolutamente nada para que a empresa empregue em suas despesas indiretas e possa extrair o lucro almejado.


Mas e se, no caso do exemplo, oportunizada a diligência (ou uma análise contábil pelo próprio órgão licitador), dos documentos já anexados pela licitante, constatar-se que não há saneamento possível?


Bom, nesse caso se a Administração constatar que a proposta da licitante – com seus percentuais ZERADOS e seus TRIBUTOS NÃO CONTEMPLADOS NA PROPOSTA – não são apenas “erros formais” (e acreditamos que não são), não estaremos diante do tão alardeado (e sempre argumentado) “erro formal”, que na visão da maioria será sempre “suprível” pelo princípio do formalismo moderado.


É ledo engano acreditar que; nesse caso de verdadeira inconsistência contábil e da planilha de custos se esteja diante de simples e cômodo “erro formal”, mas pode-se estar diante do (insanável) ERRO SUBSTANCIAL da proposta.


E aí não há solução que não seja a desclassificação ou inabilitação.


Isso porque a falha substancial torna incompleto o conteúdo do documento e, consequentemente, impede que a Administração conclua pela suficiência dos elementos exigidos; o julgador ficará impedido de afirmar que o documento atendeu ao edital ou apresentou as informações necessárias.


Não se trata de um simples lapso material ou formal, mas um erro substancial que é aquele que interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais (Código Civil, art. 139, I): a exequibilidade da proposta, por exemplo.


A falta de informação indispensável ao documento configura erro grave – substancial – que torna o mesmo insuscetível de aproveitamento; trata-se de um documento defeituoso; incompleto; não produzindo os efeitos jurídicos desejados.


O erro substancial provoca o efeito mais indesejado ao licitante: a inabilitação ou a desclassificação, como dissemos antes.


Por isso é incabível para situações em que houver um erro substancial, tratá-lo como um erro formal ou material (no qual “basta corrigir a planilha”).


Uma vez ocorrido o erro substancial, mas não a sua consequência lógica – que seria a exclusão do licitante da disputa -, o ato produzido estará suscetível de anulação, uma vez que restarão descumpridos princípios básicos do Direito Administrativo – da isonomia, da vinculação ao instrumento convocatório, da legalidade, da segurança jurídica, entre outros.


Nesse viés, já se manifestou o Tribunal de Contas da União – TCU, por intermédio do Acórdão nº 834/2015 – Plenário, sobre a impossibilidade de se “modificar” posteriormente as condições da proposta.


Não se pode aceitar; inerte ou calado, a possibilidade de um licitante faltoso e negligente ser classificado ou habilitado por descumprimento não apenas do edital, quanto da própria Legislação que rege as licitações e a Ciência da Contabilidade.


A preguiça do órgão licitador; sua negligência ou, pior do que tudo isso, a sua má fé em aceitar licitante com esse nível de erros devem ser veementemente combatidas.





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